É natural que, não existindo padrões aceitáveis de segurança e saúde nas organizações, o trabalho adoeça e mate pessoas. Segundo estudos da International Stress Management Association (Isma), um em cada três trabalhadores no Brasil, sentem na pele os graves efeitos do estresse, perdendo apenas para os trabalhadores do Japão, onde 70% dos cidadãos em idade economicamente ativa, se declaram esgotados com a dura jornada profissional.
Na realidade, este quadro precisa ser solucionado partindo de uma intervenção sistemática , a partir de algum modelo regulatório, verdadeiramente comprometido com a saúde ocupacional desses trabalhadores. O fato é que, essa regulação precisaria partir do Governo Federal, mas infelizmente isso ainda não acontece, e obviamente, só acontecerá, quando as pressões sociais da coletividade, forem suficientes para mobilizarem governos na criação de leis que protejam efetivamente os trabalhadores, de forma congruente e coletiva, afinal de contas, é a força do trabalho que movimenta as engrenagens de qualquer país.
A grande maioria das empresas está focada no aumento dos lucros e na redução dos gastos, assim sendo, o investimento em melhores condições de trabalho, ainda encontra-se distante das suas prioridades. Um profissional que desiste do seu trabalho doentio, é mais um fantasma na lista dos 14,1 milhões de desempregados, sem deixarmos de considerar que, trabalhadores doentes são menos produtivos, e trabalhadores afastados, constituem custos arbitrários para a previdência, nada mais e nada menos que cerca de R$74 bilhões por ano, com pagamentos de benefícios, tudo isso impactando substancialmente no crescimento do PIB Nacional.
Nos últimos 10 anos, o número de pessoas depressivamente declaradas, aumentou 18,4%, e hoje, isso corresponde a 322 milhões de indivíduos, ou 4,4% da população da Terra, segundo dados de um relatório realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas a nossa preocupação aumenta, quando por aqui no Brasil, já somos aproximadamente 5,8% de depressivos sintomáticos, o que representa a maior taxa da América Latina. O que tem sido feito para mudar esta situação?
De acordo com especialistas, a deterioração da saúde dos trabalhadores encontra-se em ritmo acelerado, pois além da crise que hoje atinge as empresas brasileiras, vivenciamos uma forte escassez de oportunidades de recolocação no mercado de trabalho, e de recursos assertivamente direcionados para suprirem esta questão. Considerado o mal deste século, o estresse é o grande catalisador do surgimento de doenças psicológicas e psicossomáticas.
Atentando-se para uma outra vertente, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2012 até 2018, o país registrou mais de 5,4 milhões de notificações de acidentes de trabalho com carteira assinada, destes, mais de 19 mil resultaram em óbitos. Lembramos ainda que, máquinas e equipamentos foram os principais causadores de acidentes nesse mesmo período, atingindo a cifra de 528.473 registros, além de 2.058 mortes acidentárias notificadas no Brasil. O que foi feito desde então, para que esses números caíssem?
Em 2017, tivemos a Reforma Trabalhista do Governo, que segundo especialistas, pode ter contribuído acentuadamente com o aumento de óbitos em acidentes do trabalho no Brasil. Dentre outras mudanças, o seu texto reduziu o valor indenizatório pago às famílias dos profissionais acidentados e mortos, limitado em até 50 salários, fazendo com que muitas empresas optassem por não investir em Segurança do Trabalho. A terceirização começou a ganhar força, trazendo menos responsabilidade sobre a saúde e a segurança do trabalho desses profissionais, em virtude de uma má gestão de riscos uma vez instalada, onde na realidade, precisaríamos de uma atenção redobrada nos quesitos normativos, visto a incidência dos números já apresentados. Afinal, onde foi que nós avançamos?
Em 2019, tivemos a extinção do Ministério do Trabalho, como justificativa plausível para um ajuste ministerial, mas será que diante de tantas problemáticas envolvendo o trabalho e a vida dos trabalhadores, as pastas provenientes deste ministério, seriam tão secundárias? Como afirmar que um único Ministério, com pastas tão discrepantes, poderá obter um melhor resultado funcional? Não existe economia sem trabalho, portanto, partindo-se do bom senso, o trabalho é uma prioridade e não um simples complemento. O atual governo anuncia ainda a redução em 90% das Normas Regulamentadoras, o que tem gerado grandes conflitos de opinião, visto que a ideia de simplificar uma norma não traz equivalência alguma com a condição de avaliá-la, ou mesmo de atualizá-la no que for necessário, preservando-se, obviamente, o princípio constitucional da finalidade para o qual as mesmas foram criadas, sem que lhes sejam suprimidos pilares fundamentais. Mas será que o Brasil está conseguindo manter esses pilares?
Meio a toda essa turbulência venosa, no dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS), declarou o surto causado pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), uma pandemia global, que emerge também no Brasil, dizimando vidas e pregando terror, em uma atmosfera de crises e incertezas. Desde então, no que tange ao enfrentamento da pandemia da COVID-19, os estados brasileiros têm promovido ações de cunho individual e coletivo para lidar com os impactos sanitários e econômicos.
Na Atenção Básica, tivemos as principais ações direcionadas à população, que também começaram a ser realizadas pelos profissionais da saúde, com o iminente reforço das orientações de prevenção do contágio. No ambiente hospitalar, a terapia ocupacional pode contribuir para a adequação dos seus usuários à rotina do hospital, e aos cuidados diários exigidos, prestando os devidos esclarecimentos sobre a enfermidade e seu tratamento, a fim de que o usuário compreendesse essa nova situação. Os terapeutas ocupacionais precisaram mergulhar profundamente neste território, até então inabitado, por meio de ações direcionadas ao acompanhamento e ao apoio desses profissionais, principalmente nos casos de afastamento do trabalho, buscando auxiliar os trabalhadores a se adaptarem às novas rotinas de trabalho, assim como, aos processos de retorno ao ambiente laboral. Mas em matéria de segurança, como encontram-se esses profissionais da saúde?
Médicos, enfermeiros e trabalhadores na linha de frente no combate à covid-19, também carecem de atenções, em razão do forte estresse gerado pelo grande número de mortes, além do medo de serem infectados pela ação violenta deste vírus letal. Profissionais da Segurança do Trabalho, também estão sendo afetados, pois encontram-se diretamente envolvidos nesses ambientes, no acompanhamento de fluxos e protocolos de segurança, insumos de proteção, como máscaras, luvas e óculos, mantendo-se intimamente comprometidos com a segurança e à garantia da saúde de todos os demais profissionais. Mas, o que tem sido feito em prol desses trabalhadores, além do convencionado para toda uma população?
Os profissionais de saúde estão especialmente vulneráveis à COVID-19, isso é fato. O Brasil já soma quase 1.000 profissionais de saúde mortos pelo vírus. Em pouco mais de 10 meses, pelo menos 990 médicos, enfermeiros e técnicos, de acordo com dados oficiais, morreram vítimas da doença, onde 500 destes óbitos, ocorreram enquanto os mesmos lutavam na linha de frente do combate à doença. A média é de três por dia, desde o primeiro registro de óbito, ocorrido em 12 de março de 2020, segundo o Ministério da Saúde. Outro dado assustador é que o Brasil já responde por um terço das mortes globais entre profissionais de enfermagem por covid-19. O que está faltando para entendermos que para esses profissionais, a COVID-19 merece uma outra tratativa? Quantos órfãos de mães ou de pais da saúde, tiveram amparo legal após a morte dos seus tutores? Quantos profissionais contaminados no exercício de suas profissões foram amparados por nossa atual legislação?
Como não se bastasse a preocupação com a segurança e a saúde desses profissionais, no desempenho de suas atividades habituais, percebemos que diante deste panorama, as atenções careceriam ser dobradas. Mas será que da mesma forma que se simplificam as normas e as leis neste país, nós somos capazes de flexibilizar ou atenuar a ação devastadora desses resultados?
“A compulsão para metas inatingíveis, carga horária excessiva, pressões no ambiente de trabalho, déficits nos recursos exigidos para se alcançar objetivos satisfatórios, negligência no cumprimento de ações e medidas preventivas, ausência de fiscalizações governamentais, baixo controle na execução das tarefas ou baixa autonomia de comando, problemas nos relacionamentos interpessoais, descaso diante de riscos potenciais, condições de trabalho precárias, e situações de assédio, são apenas uma pequena parcela do que ainda precisamos mudar nas organizações brasileiras, situações essas, cada vez mais comuns, que não apenas contribuem para o surgimento de doenças, mas também agrava a falta de segurança nas empresas do país.”
Por: Sandro de Menezes Azevedo
Presidente/ASPROTEST
Diretor de Assuntos Jurídicos e de Eventos/SINTEST-SE
Segundo Secretário Geral/FENATEST
Idealizador/Safenation Brasil