Registro permite compra de vacina por clínicas privadas, mas dever do Estado é usá-las no SUS, diz pesquisador
O registro definitivo concedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) à vacina da Pfizer contra a Covid, nesta terça-feira (23), permite a importação da vacina para o Brasil. Segundo o pesquisador Daniel Dourado, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Paris, a medida autoriza, também, que clínicas privadas comprem a vacina.
"Do ponto de vista legal, a única exigência para uma empresa comprar e comercializar um produto de saúde no Brasil é que ele seja registrado na Anvisa. Isso é o que está na lei", explica Dourado.
Apesar da possibilidade legal, não há previsão de venda da Pfizer para a rede privada. Segundo a assessoria da farmacêutica no Brasil, a empresa "só vai negociar com o governo federal".
Dever do estado
Em caso de uma eventual futura comercialização, Dourado avalia, entretanto, que é dever do Estado brasileiro usar quaisquer vacinas que sejam compradas pela iniciativa privada para vacinar as pessoas pelo SUS. Essa medida é chamada de requisição administrativa e é prevista em lei. Ela também dita que o poder público deverá indenizar a rede privada pelas vacinas requisitadas.
"A requisição administrativa é um instrumento legal, que está previsto na Constituição e em várias leis em casos de perigo público. Numa situação extrema, o Estado pode pegar a propriedade privada, expropriar para uso coletivo e, depois, indenizar o [setor] particular", explica Dourado.
Essa expropriação pode ser feita pelos governos municipais, estaduais ou pela esfera federal.
"Imagina que um laboratório privado da Bahia consiga comprar a vacina da Pfizer antes de o governo do estado conseguir. O governo pode requisitar", diz. "Os governos estaduais e municipais que quiserem podem fazê-lo. Eu acho que eles não têm essa escolha – enquanto houver escassez de vacinas, eles são obrigados a requisitar", avalia.
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"A obrigação do Estado brasileiro é garantir o direito à saúde – neste momento, o principal elemento para garantir o direito à saúde é vacina. Qualquer vacina que entrar no território nacional é obrigação do Estado incorporar no PNI [Programa Nacional de Imunizações]. É a única maneira de o Estado garantir o direito à saúde neste momento – é a minha leitura constitucional", afirma Dourado.
"Se começarem a aparecer várias clínicas privadas comprando a vacina da Pfizer, seguramente os estados vão entrar com ação no STF obrigando o Ministério da Saúde a requisitar as vacinas e distribuir. Imagine num cenário que não tem vacinas suficientes para a fase 1 dos grupos prioritários, de repente, começar a aparecer vacina na rede privada", diz.
Compra pelos estados
O pesquisador da USP avalia que, apesar de as vacinas poderem ser requisitadas ou até compradas diretamente por municípios ou estados, a obrigação é do Ministério da Saúde.
"O Ministério da Saúde deveria ser, na minha visão, obrigado a fazer isso. A primeira instância federada a fazer isso seria o governo federal, porque pode distribuir proporcionalmente aos estados e municípios. Se cada estado fizer, vai distribuir somente para os estados. Isso só seria feito na omissão do governo federal", pondera.
"Os estados sempre puderam fazer negociação direta com os laboratórios. Mas isso não é interessante que seja feito normalmente – porque o Brasil tem o PNI. O papel do PNI, do Ministério da Saúde, é organizar a vacinação no país como um todo. Isso não é feito [agora] por uma questão política", afirma.
Dourado explica que, se a imunização ficar a cargo dos governos estaduais, a política pública de vacinação fica desarticulada.
"Os estados vão adquirir vacinas conforme suas possibilidades. O estado mais rico vai comprar mais vacina e imunizar a população antes. Não é de interesse da federação ter uma unidade federativa com a população toda imunizada e outra, não. Por isso que, em um país federativo, é preciso ter uma articulação em um nível federal, para que as vacinas cheguem de forma harmonizada nos estados", afirma.
Fonte: G1